"Quê ou o que leva uma pessoa a enveredar por carreira incompreendida, desconsiderada, ultrajada, plena de exigências, repleta de incongruências, sorvedora da paz, tranquilidade e sossego?
Como pode um qualquer cidadão, quase sempre jovem, normalmente em idade de diversão, decidir-se por se inscrever num curso de candidatos a árbitros, sujeitar-se primeiramente a cerca de oitenta horas de sessões teóricas, depois, paulatinamente, ser inserido na prática directa da actividade começando como árbitro-assistente nas camadas mais jovens, divisões inferiores, competições onde a segurança é nula, o respeito pelo ser humano se faz sentir no estágio mais baixo? São questões que sempre formulei a mim próprio e ainda hoje servem de mote a muitas conversas.
A capacidade de adaptação do homem é espantosa, a apetência que revela pelo desconhecido, pelo risco na procura de novas emoções, na persecução dos objectivos a que se propõe, se analisada convenientemente, é extraordinária. Ser árbitro é muito mais que um conjunto de predicados estereotipados invariavelmente definidos como: honestidade, justiça, dignidade.
Ser árbitro pressupõe: capacidade de análise, poder de síntese, raciocínio ligeiro, discernimento claro, adaptação fácil a situações imprevisíveis, ser disciplinado, cumpridor, possuir capacidade de alheamento sem perder noção de "onde e como". Ser árbitro exige: sacrifício, elevada capacidade de concentração, disponibilidade absoluta (obviamente de tempo mas sobretudo de entrega, de dedicação), desprendimento total, mesmo pelas coisas simples da vida, vontade de trabalhar física e tecnicamente quando outros se divertem. Sabendo-se ser o começo algo desmotivante, as instalações visitadas não serem as melhores, as condições materiais iniciais não serem de molde a cativar, só grande auto-motivação, vontade indómita, orgulho, superação constante de adversidades fazem de um candidato um árbitro, porém, tendo-se consciência que o muito inicialmente exigido pode, num futuro não distante, resultar na conquista de respeito e admiração, na abertura de novos horizontes, na frequência de ambientes diferentes, no convívio com individualidades até então dificilmente contactáveis, na experiência inolvidável que é dirigir um jogo de futebol num verdadeiro estádio, compensa todos os sacrifícios, todas as agruras, todas as incompreensões.
Aquilo que ao princípio é um mundo desconhecido; quando a dedicação se evidencia, o respeito pelos demais é notório, a exigência demonstrada no cumprimento das regras e regulamentos é imposta, se revela não fazer destrinça entre Pedro ou Paulo, se mostra consideração mas igual indiferença pelo "maillot" cor-de-rosa ou lilás, o respeito (limitado ao restrito número daqueles que se dedicaram e dedicam à causa ou fazem por a compreender) sobrevém. No fim, passada uma geração, quando se olha para trás, recordando o que se fez, tudo que se deixou por fazer, resta a satisfação de saber ser-se igual a todos quantos nos rodeiam com a sublime diferença de sabermos termos feito o que muitos não tiveram capacidade ou coragem para fazer. São esses, enfim, os apitos da glória."
Crónica de opinião de Jorge Coroado
Como pode um qualquer cidadão, quase sempre jovem, normalmente em idade de diversão, decidir-se por se inscrever num curso de candidatos a árbitros, sujeitar-se primeiramente a cerca de oitenta horas de sessões teóricas, depois, paulatinamente, ser inserido na prática directa da actividade começando como árbitro-assistente nas camadas mais jovens, divisões inferiores, competições onde a segurança é nula, o respeito pelo ser humano se faz sentir no estágio mais baixo? São questões que sempre formulei a mim próprio e ainda hoje servem de mote a muitas conversas.
A capacidade de adaptação do homem é espantosa, a apetência que revela pelo desconhecido, pelo risco na procura de novas emoções, na persecução dos objectivos a que se propõe, se analisada convenientemente, é extraordinária. Ser árbitro é muito mais que um conjunto de predicados estereotipados invariavelmente definidos como: honestidade, justiça, dignidade.
Ser árbitro pressupõe: capacidade de análise, poder de síntese, raciocínio ligeiro, discernimento claro, adaptação fácil a situações imprevisíveis, ser disciplinado, cumpridor, possuir capacidade de alheamento sem perder noção de "onde e como". Ser árbitro exige: sacrifício, elevada capacidade de concentração, disponibilidade absoluta (obviamente de tempo mas sobretudo de entrega, de dedicação), desprendimento total, mesmo pelas coisas simples da vida, vontade de trabalhar física e tecnicamente quando outros se divertem. Sabendo-se ser o começo algo desmotivante, as instalações visitadas não serem as melhores, as condições materiais iniciais não serem de molde a cativar, só grande auto-motivação, vontade indómita, orgulho, superação constante de adversidades fazem de um candidato um árbitro, porém, tendo-se consciência que o muito inicialmente exigido pode, num futuro não distante, resultar na conquista de respeito e admiração, na abertura de novos horizontes, na frequência de ambientes diferentes, no convívio com individualidades até então dificilmente contactáveis, na experiência inolvidável que é dirigir um jogo de futebol num verdadeiro estádio, compensa todos os sacrifícios, todas as agruras, todas as incompreensões.
Aquilo que ao princípio é um mundo desconhecido; quando a dedicação se evidencia, o respeito pelos demais é notório, a exigência demonstrada no cumprimento das regras e regulamentos é imposta, se revela não fazer destrinça entre Pedro ou Paulo, se mostra consideração mas igual indiferença pelo "maillot" cor-de-rosa ou lilás, o respeito (limitado ao restrito número daqueles que se dedicaram e dedicam à causa ou fazem por a compreender) sobrevém. No fim, passada uma geração, quando se olha para trás, recordando o que se fez, tudo que se deixou por fazer, resta a satisfação de saber ser-se igual a todos quantos nos rodeiam com a sublime diferença de sabermos termos feito o que muitos não tiveram capacidade ou coragem para fazer. São esses, enfim, os apitos da glória."
Crónica de opinião de Jorge Coroado
in Jornal O Jogo de 09-09-2003